sábado, 8 de março de 2014

Sentimento Enciptado

E ali se beijavam.
Carlos e Ana eram ali um só. E quem os visse naquele momento, nunca imaginaria de onde eles vieram.
Carlos partiu para aquele café com aquele gostinho intrínseco de que não seria só café. Já Ana saiu para aquele café com o mesmo gostinho do Carlos, mas dentro de uma caixa. Dentro de outra caixa. Dentro de uma caixa maior. Que ficou dentro de um saco de plástico. Dentro de uma caixa de chumbo. Dentro... Bom, já se percebeu a ideia.
Quando Ana saiu do carro, atrasada como sempre, já Carlos estava do outro lado da rua à porta do café. A olhar para ela e a abanar a cabeça. Porque o Carlos, não sei se sabes, mas sofre um pouco de Asperger. Os médicos dizem que não, mas a atitude dele face às pessoas diz precisamente o contrário. Abanava a cabeça num claro "lá estás tu outra vez a chegar atrasada" e ria-se para ela. Ela meio que levantou as mãos - porque a Ana é como a maioria das raparigas, gosta tanto de chamar a atenção, como o miúdo que sofre de bullying na turma da primária - a tentar pedir desculpa sorrindo.
E Carlos enquanto olhava para ela pensava, o que é que eu vou fazer quando ela aqui chegar? "Vou abraçá-la. Apetece-me tanto... Ela é tão... Eu gosto tanto dela."
A Ana chegou até ao Carlos, cumprimentaram-se com um beijo na cara e entraram.
A conversa deslizou pelos sítios do costume. Com o Carlos a tentar não dizer nada para além do que é visível e a Ana a tentar mostrar que ele é sempre assim.
Já se conhecem há tempo de mais. Mas na verdade não se conhecem tão bem. Mesmo desde os 5 anos de idade.
Nada de novo, afinal o café foi só o café.
E saíram. E
resolveram dar uma volta. Então o Carlos, lá no meio do largo deserto, onde só se ouviam as folhas a mexerem com a brisa, decide falar. E a explicar o quanto há por debaixo da sua pele, abraça Ana.
Ana nem foge. E abraça-o também.
Ele descansa-a dizendo que gosta muito dela como amiga, mas que tem um carinho muito especial por ela.
A Ana sempre soube, mas finalmente, para ela, o Carlos acaba por dizer alguma coisa para além das meias-palavras com que se esconde.
E naquele abraço, os dois afastam-se um pouco, olhando-se nos olhos, pestanejam à velocidade terna de um sentimento encriptado. Ela acena tão subtilmente que só quem estivesse dentro daquela constelação se aperceberia. E esboçam um sorriso. São amigos. E os olhos entornam-se nos lábios. Ele nos dela. Ela nos dele. E beijam-se. Não sabem o que foram, sabendo o que agora são.

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