sábado, 19 de abril de 2014

Eu Não te Tomava por Sociopata


Cheguei ao centro comercial já tu estavas pela mesa. 
Sentada na tua mesa, sozinha. Fui embora mas voltei atrás. Tinha de ficar por ali e o teu olhar disse-me que não haveria melhor lugar. Sentei-me na mesa ao lado. Sentei-me da mesma forma, qual espelho, na esperança que me fosses fitando. 
Peguei no telemóvel para me ocupar... Não seria um pouco estranho ficar ali a olhar para ti? Pois. Foi o que me pareceu. É que nisto de trocar olhares, temos de ser subtis. Tu foste olhando e sorrindo, como quem procurava que eu deixasse o telemóvel, mas é preferível manter isto assim. Sem mexer nos "menus", passo a ser só um sociopata. 
Tu sorrias e olhavas. Demonstravas interesse e davas dentadas no teu almoço ao ritmo do meu mexer no telemóvel. Se não o fizesses, a sociopata eras tu. Eu iria achar demasiado assustador ter uma rapariga sentada ao meu lado estática a olhar para mim... Iria? Não. Afinal, acho que não. A não ser que fosse uma rapariga feia. Que de todo não era o teu caso.
E lá tentavas tu, ocupar cada sentido com o almoço. Só para dizer que olhavas e sorrias para mim "por acaso". A maior parte do tempo, estavas ocupadíssima a olhar o feitio do papel da tua sandes, a ouvir o estalar da salada, etc. 
E no meio de outro sorriso, disseste-me um "boa tarde" e seguiste olhando para mim. 

Não saí da cadeira. Não sei o que me deteve, mas nada me impeliu. Fiquei só ali a sorrir-te de volta e a ver-te seguir o teu caminho. A pensar em que mundo se tornaria o meu, se te tivesse seguido. Que mundo seria o meu, se te tivesse pedido o número, perguntado o nome e convidado para um almoço na mesma mesa. Não hoje. Amanhã. Afinal, ninguém almoça duas vezes. 
E com um murro na mesa que não dei, dei-me a perceber que este tipo de almoço não nos aconteceria uma outra vez. Burro. 

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Neste Sítio Não Há Smartphones ao Almoço


Já por ali tinha passado várias vezes de forma muito fugaz ou em dia de jogo, mas hoje fui forçado a ver.
A zona de restaurantes do Alvaláxia é, como muita gente sabe, uma zona com um ambiente estranho. Não porque nos sintamos ameaçados de alguma forma, mas porque passa ali no ar, um "aroma" a qualquer coisa que nos deixa desconfortáveis.
Estive 20 minutos à espera de uma pessoa e enquanto isso fui olhando à minha volta. A luz sumida naquela área, faz com que se coma à meia-luz e com que existam vários cantos mais escuros. Ocasionalmente ouve-se um prato, um salto de mulher, um cair de um talher, só para nos lembrar que aquele lugar não está abandonado. Os restaurantes que ali estão, são poucos. Contam-se pelos dedos da mão. Existe um Japonês que na sua timidez de hora de almoço (buffet, claro) se esconde a um canto com 3 ou 4 clientes nas mesas.
Uma Pizzaria e um pastelaria que embora tenham as luzes acesas, se mantêm sem clientes. E sem (pasmem-se) funcionário. Volta e meia lá aparece um, atrás do balcão, para nos lembrar que ali se serve comida.
Na televisão passa um jogo de futebol da Taça de Portugal entre o Sporting de Braga e o Rio Ave.
E existe um Burguer Ranch.

E é aqui que me centro. Estou sentado na ponta de uma cadeira, junto às escadas e vou vendo quem passa. Não há gente rica. Não passa gente bem arranjada. Quem segue para a parca fila é, naturalmente, o funcionário do escritório, o comercial mal-pago, etc. Ou seja, aquele funcionário que consegue ainda ter esse resquício de "luxúria" que é almoçar num estabelecimento de Fast-food.

Apercebo-me então do resto das pessoas que vão chegando e que vão estando pela sala: Chega o rapaz da minha idade, que comprou uma merenda no LIDL e que sofregamente trata dela "chamando-a" de "almoço". Chega um homem dos seus 60 anos (alguém que saiu do trabalho para almoçar) que tira uma sandes enrolada num guardanapo do tamanho da minha mão. Passado 2 minutos passa por mim com um ínfimo caroço de maçã que já roído de tal forma que cheguei a questionar a sua existência.
Chega um casal que pede uma sopa para dois e se senta mais atrás. Uma sopa. Para dois.
Torço a cabeça para o meu lado esquerdo e vejo uma Mãe - dos seus 70 anos - com aquele que me parecia ser o seu Filho - de 40 anos. O Filho, dorme sentado na cadeira, de braços cruzados. A Mãe, olhou-me nos olhos com a amargura de quem passou a vida a lutar sem ter nada. E agora está ali, com o seu filho adulto, com um saco do LIDL e 3 pães que sobraram do "almoço". Há ainda um pacote da Compal que terá de chegar para mais logo. Uma empregada da limpeza passa por mim e com um sorriso cumprimenta a Mãe:

- Olá avó.

Não era sua avó. Respondeu com um olhar alegre, como quem já é conhecida por aqueles lados, sem querer acordar o filho que dorme ao seu lado.

A primeira coisa que estranhei foi a ausência de smartphones quando aqui cheguei. Nem um. Neste sítio ninguém vai ao Facebook. Neste sítio, vive um mundo que julgava não existir no meu país. Um sítio onde vai almoçar quem ainda tem esse luxo, contrastando com quem diz aos amigos "vou almoçar a outro lado" para não ter de mostrar aquilo que não come. Um sítio onde uma mãe, de idade avançada, e um filho (adivinho) desempregado, se encontram para comer qualquer coisa e dormir. O que me faz saltar a pergunta: Se vêm para aqui dormir, como serão as suas casas?

Nestes sítio não há smarthphones. Neste sítio mora um silêncio sepulcral. Neste sítio quem fala, "bichana". Neste sítio, depois de perceber, senti-me seguro. E senti-me demasiado triste.