segunda-feira, 29 de abril de 2013

Ainda não me lembro de ti como és



Ainda não me lembro do nosso primeiro beijo. 

Da música que nos cercava,
A conversa que criou o ensejo, 
Dos olhos em tua boca que me olhava. 

Ainda não me lembro dos traços da vertigem, 
Ao subir o castelo da cidade, 
A paisagem que teus cabelos tingem,
Os calafrios da nossa novidade. 


Ainda não me lembro do mergulho conjunto, 
Da água que nos separava e juntava, 
Do abraço apertado tornando-se assunto, 
Da areia que pisava. 

Ainda não me lembro do cinema. 
Da luta de pipocas apaixonadas, 
Do empurrão ao "sem tema", 
Dos primeiros sentimentos em risadas. 

Ainda não me lembro do nosso choro. 
Do momento de dor unidos, 
Das mãos que se enlaçam em coro, 
Do mundo em que estivemos feridos. 

Ainda não me lembro de nada. 
Porque o passado é apenas presente
E o futuro se faz agora somente. 
Numa vida obtusa que parece errada. 

Ainda não me lembro de ti como serás, 
Porque a vida é uma réplica aperfeiçoada
Uma repetição melhorada, se assim a farás. 

Ainda não me lembro de ti como és: diferente. 
Sei que existes, igual, só então somente... 

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Carruagem


Encostei-me a uma das laterais e olhei a carruagem bem ao fundo. Um silêncio profundo de que o ressoar dos carris em ferro já fazem parte.
Na minha cabeça saltou a "velha máxima": "Ninguém fala com ninguém nos transportes hoje em dia. Cada um segue o seu caminho. Entra mudo e sai calado."
E a minha percepção entrou em desacordo.
A rapariga que escreve uma mensagem no telemóvel. O homem sentado à frente dela que se questiona sobre o conteúdo da mesma. A mulher ao lado do homem que está cansada e fascinada com as botas da outra mulher que à minha frente boceja sem parar com os olhos vermelhos de sono. Um bocejar que contagia a rapariga numa animada conversa com o namorado, sem sequer abrirem a boca, sentados atrás de mim.
Alguém que se pergunta no final da carruagem se conhece outra pessoa que está sentada algures mais à frente. Os pensamentos de um adolescente de phones nos ouvidos berram mais alto (não os phones, os pensamentos) que os carris.
Nesta ponta está alguém que se pergunta sobre o significado do silêncio com tantas perguntas e conversas e palavras num transporte público.
Alguém que conclui que uma carruagem de metro, trás consigo uma multidão de diálogos, monólogos, perguntas retóricas e preocupações.
Alguém que conclui que a carruagem é o lugar onde mais pessoas falam umas com as outras, ainda que sem abrir a boca.
Alguém que conclui que uma carruagem pode ser, de alguma forma, o espelho dos mundos.