segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Não tem sentido? Eu não escrevo só para ti!















São 3 da manhã agora,
E eu vivo o segundo ao milésimo.
Estou acordado, embora,
Sonhe mais aqui
Que de olhos cerrados
Num sono afora.

Resolvi sentar-me na cama,
Esperar o tempo em que o sono me chama,
Para evitar ficar acordado
Sem poder escrever, intimidado
Com as rimas a discorrer,
No sentido que mas fazem aparecer.

Tenho sentido mais o gosto da comida e do mar,
Mesmo sem comer, mesmo sem me aproximar
Da água que me possa molhar.

E me molha!
Porque a pele está húmida da falta de juízo
Que por aqui se abateu.
Pareço até perder o siso no meio da seriedade
Em que navega um sorriso,
Em que chega um riso de sinceridade.

Estes versos parecem-me demasiado curtos e sem sentido
A não ser o sentido de cada um isolado.
Se calhar esta foi a pior ideia que podia ter tido,
Até porque o sono está a deixar-me cansado.

Não há sentido no que acabei de dizer,
Ou talvez haja...
Afinal, do que se trata o que acabei de escrever,
Se não do todo que venho sentindo?

Sim! Pára de pensar só em ti e vê o meu lado!
Eu não escrevo só para ti,
Escrevo para me sentir... concretizado?
Exorcizado, pois também!

Não estou num caos, pelo contrário.
O mundo é que tem parecido diferente, o salafrário!

terça-feira, 15 de julho de 2014

Nunca Olhes a Solidão Muito de Perto
















Pedro colou a cerveja na estante,
Debruçou-se sobre o sofá
Suspirando, na respiração restante,
Olhando o gato e o que ele sonhará...

"Sempre que te sintas bem na tua solidão,
Sempre que te encontres bem contigo,
Não olhes muito de perto esse chão,
Perder-te-ás como um mendigo.

Sempre que o mundo te soe perfeito
Só assim quieto onde só tu te encontras,
Não olhes muito de perto esse efeito,
Será mais falso que manequins de montras...

Nunca olhes a solidão muito de perto,
Ou saberás que não és aquilo que vês.
És gato e não sabes o que digo de certo...
Nem eu sei como passou mais um mês".

Termina a cerveja e o gato abre os olhos
Não está sozinho como pensa,
Mas é melhor não ver muito de perto...

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Carta de desculpa ao "Depois"














Não é certamente um problema teu.
Nem sequer de seres melhor,
Nem diferente do teu antecessor.

Simplesmente és "Depois" por existir um "Antes",
E nesses trajectos dantescos,
Limita-mo-nos a manter interessantes
Quaisquer futuros principescos.

Porque nos sentimos pedantes.
Sem te querer receber,
Mas sem querer voltar.

Desculpa por ser tão preguiçoso.
Não é minha intenção mandar-te embora,
Nem que me aches jocoso,
Permanecer cá dentro, deixando-te aí fora.

Só que não me movo como queria e não quero.
Não paro, e vou ficando e aqui espero.

Tende paciência que algum dia hei-de sair
Deste jogo de paciência,
Jogado comigo em que me deixei cair.
Onde me recordo do "Antes" pela cadência,
Onde me fecho nos olhos, sem dormir.

Ainda ontem te vi ao virar da esquina,
Ainda ontem de encontrei, de olhar doce, do outro lado da estrada.
Eras interessante, prometedora de aparência fina.
Vens todos os dias, de todas as formas - a errada.

É como te vejo.
Estou feito um dandy, uma almofada de sofá.
Incapaz de dar um beijo,
Sem sentir que não fiquei lá.

Desculpa mandar-te embora tantas vezes.
Tenho pensado que não serei caso único.
Dás-me um, dois meses?

Talvez uns dias.
Abro-te as portas, podes entrar.
"E aquelas coisas que sentias?"
Direi: "A partir de hoje, somos só dois ao jantar."

Desculpa.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Um Céptico Sonhador


É pérfido o caminho,
Da minha janela é o que vejo.
Sinto raiva de seguir sozinho
Mas é o estar "só" que almejo.

As cortinas balouçam ao vento
Batem com baque no seu próprio tempo,
Marcando o meu, chamando o céu.

Voei à luz do luar
Mais vezes do que o Sol tocou o mar.
Sem nunca sair, sem nunca zarpar.
Sou um céptico que nunca parou de sonhar.

Fui a mundos onde encontrei vida
Fui a galáxias onde vivem os super-heróis.
Deixando inesquecível memória esquecida,
Vivendo novos luares, vivendo novos sóis.

Não saí de mim próprio, nem me evaporei.
Já nem sei qual o meu Ópio, já nem sei se vivo ou se viverei.

Fecho a janela que são horas de resgatar
Os sonhos que fui matando.
Não sei bem onde os reencontrar
Serão eles as sombras que me vão imitando?

sábado, 17 de maio de 2014

O Amor veste-se com Camisa
















Não quero estar a desconsiderar a camisa, 
Mas é facto que de manga curta, 
É estranha e profetisa
Um desleixo meio inacabado:
Como sendo um triste alfaiate, 
Que preferindo o inesperado, 
Vende-as tentando o acicate, 
Esperando um comprador mal-informado.

Ofereceram-me algumas. 
E agora uso... nenhumas. 

Nunca gostei da camisa, 
Até ma oferecerem. 
Ainda hoje não gosto da camisa. 
Até ma quererem. 

Um paradoxo estilístico, 
No bom sentido da palavra. 
Porque são algo de místico. 
São algo para que não existe palavra. 

Uma branca, uma azul. 
As que me lembro de momento. 
Dizias que ficava "cool", 
Dizias que eram boas para o momento. 

Explicavas esse teu intento, 
Em mudar meu estilo patético. 
O desconforto que aquilo trazia, 
Deixou-me sempre céptico. 
Nunca gostei, fingia. 

Eu nunca gostei de manga curta na camisa. 
Ainda hoje não as visto. 
Em cada botão mora uma poetisa, 
Em cada ponto, um pouco disto. 

Amo as camisas. 
Mesmo que nunca me sejam precisas. 
Não são a roupa, são o passado em brisas.

Não gosto de camisas. 
Gosto daquelas. 
Amo as camisas. 
O Amor veste-se com elas. 

quinta-feira, 8 de maio de 2014

O Ramo e a Folha

Tenho sentido as vidas utópicas,
Que vou vivendo sem nunca viver.
Envolvido em ideias microscópicas
Sem nunca conseguirem ser.

Deparei-me de tarde, ao anoitecer,
Num repente repentino empalidecer,
Da folha duma árvore que para crescer
A privou do oxigénio, deixando-a morrer.

E nestas duas quadras tão perdidas,
Tão longe uma da outra,
Se explicaram as minhas vidas,
Que se perderam de outra.

E a folha já caiu, já voou.
Ouvi-a partir, ouvi o vento que a levou.

Do ar e dos insectos que a corroeram,
De todos eles, eu sei.
Há tanto tempo, que eles próprios já faleceram.
Há tanto tempo, que no ar já os respirei.

Fito um ramo agora sozinho,
Lembrando a folha desaparecida.
Foi sem volta, ficou como espinho.
E o ramo a despontar nova vida.

sábado, 19 de abril de 2014

Eu Não te Tomava por Sociopata


Cheguei ao centro comercial já tu estavas pela mesa. 
Sentada na tua mesa, sozinha. Fui embora mas voltei atrás. Tinha de ficar por ali e o teu olhar disse-me que não haveria melhor lugar. Sentei-me na mesa ao lado. Sentei-me da mesma forma, qual espelho, na esperança que me fosses fitando. 
Peguei no telemóvel para me ocupar... Não seria um pouco estranho ficar ali a olhar para ti? Pois. Foi o que me pareceu. É que nisto de trocar olhares, temos de ser subtis. Tu foste olhando e sorrindo, como quem procurava que eu deixasse o telemóvel, mas é preferível manter isto assim. Sem mexer nos "menus", passo a ser só um sociopata. 
Tu sorrias e olhavas. Demonstravas interesse e davas dentadas no teu almoço ao ritmo do meu mexer no telemóvel. Se não o fizesses, a sociopata eras tu. Eu iria achar demasiado assustador ter uma rapariga sentada ao meu lado estática a olhar para mim... Iria? Não. Afinal, acho que não. A não ser que fosse uma rapariga feia. Que de todo não era o teu caso.
E lá tentavas tu, ocupar cada sentido com o almoço. Só para dizer que olhavas e sorrias para mim "por acaso". A maior parte do tempo, estavas ocupadíssima a olhar o feitio do papel da tua sandes, a ouvir o estalar da salada, etc. 
E no meio de outro sorriso, disseste-me um "boa tarde" e seguiste olhando para mim. 

Não saí da cadeira. Não sei o que me deteve, mas nada me impeliu. Fiquei só ali a sorrir-te de volta e a ver-te seguir o teu caminho. A pensar em que mundo se tornaria o meu, se te tivesse seguido. Que mundo seria o meu, se te tivesse pedido o número, perguntado o nome e convidado para um almoço na mesma mesa. Não hoje. Amanhã. Afinal, ninguém almoça duas vezes. 
E com um murro na mesa que não dei, dei-me a perceber que este tipo de almoço não nos aconteceria uma outra vez. Burro. 

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Neste Sítio Não Há Smartphones ao Almoço


Já por ali tinha passado várias vezes de forma muito fugaz ou em dia de jogo, mas hoje fui forçado a ver.
A zona de restaurantes do Alvaláxia é, como muita gente sabe, uma zona com um ambiente estranho. Não porque nos sintamos ameaçados de alguma forma, mas porque passa ali no ar, um "aroma" a qualquer coisa que nos deixa desconfortáveis.
Estive 20 minutos à espera de uma pessoa e enquanto isso fui olhando à minha volta. A luz sumida naquela área, faz com que se coma à meia-luz e com que existam vários cantos mais escuros. Ocasionalmente ouve-se um prato, um salto de mulher, um cair de um talher, só para nos lembrar que aquele lugar não está abandonado. Os restaurantes que ali estão, são poucos. Contam-se pelos dedos da mão. Existe um Japonês que na sua timidez de hora de almoço (buffet, claro) se esconde a um canto com 3 ou 4 clientes nas mesas.
Uma Pizzaria e um pastelaria que embora tenham as luzes acesas, se mantêm sem clientes. E sem (pasmem-se) funcionário. Volta e meia lá aparece um, atrás do balcão, para nos lembrar que ali se serve comida.
Na televisão passa um jogo de futebol da Taça de Portugal entre o Sporting de Braga e o Rio Ave.
E existe um Burguer Ranch.

E é aqui que me centro. Estou sentado na ponta de uma cadeira, junto às escadas e vou vendo quem passa. Não há gente rica. Não passa gente bem arranjada. Quem segue para a parca fila é, naturalmente, o funcionário do escritório, o comercial mal-pago, etc. Ou seja, aquele funcionário que consegue ainda ter esse resquício de "luxúria" que é almoçar num estabelecimento de Fast-food.

Apercebo-me então do resto das pessoas que vão chegando e que vão estando pela sala: Chega o rapaz da minha idade, que comprou uma merenda no LIDL e que sofregamente trata dela "chamando-a" de "almoço". Chega um homem dos seus 60 anos (alguém que saiu do trabalho para almoçar) que tira uma sandes enrolada num guardanapo do tamanho da minha mão. Passado 2 minutos passa por mim com um ínfimo caroço de maçã que já roído de tal forma que cheguei a questionar a sua existência.
Chega um casal que pede uma sopa para dois e se senta mais atrás. Uma sopa. Para dois.
Torço a cabeça para o meu lado esquerdo e vejo uma Mãe - dos seus 70 anos - com aquele que me parecia ser o seu Filho - de 40 anos. O Filho, dorme sentado na cadeira, de braços cruzados. A Mãe, olhou-me nos olhos com a amargura de quem passou a vida a lutar sem ter nada. E agora está ali, com o seu filho adulto, com um saco do LIDL e 3 pães que sobraram do "almoço". Há ainda um pacote da Compal que terá de chegar para mais logo. Uma empregada da limpeza passa por mim e com um sorriso cumprimenta a Mãe:

- Olá avó.

Não era sua avó. Respondeu com um olhar alegre, como quem já é conhecida por aqueles lados, sem querer acordar o filho que dorme ao seu lado.

A primeira coisa que estranhei foi a ausência de smartphones quando aqui cheguei. Nem um. Neste sítio ninguém vai ao Facebook. Neste sítio, vive um mundo que julgava não existir no meu país. Um sítio onde vai almoçar quem ainda tem esse luxo, contrastando com quem diz aos amigos "vou almoçar a outro lado" para não ter de mostrar aquilo que não come. Um sítio onde uma mãe, de idade avançada, e um filho (adivinho) desempregado, se encontram para comer qualquer coisa e dormir. O que me faz saltar a pergunta: Se vêm para aqui dormir, como serão as suas casas?

Nestes sítio não há smarthphones. Neste sítio mora um silêncio sepulcral. Neste sítio quem fala, "bichana". Neste sítio, depois de perceber, senti-me seguro. E senti-me demasiado triste.

quinta-feira, 27 de março de 2014

A Demora



Sempre fui um tipo calado.
Nunca me deixei falar. 
Que o que é pensado, 
Sai sempre sem pensar. 

Nesta música que abracei, 
Deixei o porquê de criar. 
Levando o resgatar do que crio,
Sem nunca musicar do que rio. 

Conto-me em melancolias. 
Conto-me em euforias. 
É certo que a vida é aguarela, 
Mas a graça que encontro nela, 
Está no negro e na luz: 
Dignos originários dessa paleta que nos seduz. 

E por isso sou um tipo calado, 
Num recado desconfortável, 
De uma incalculável pasmaceira.

Estranho-me em momentos normais.
Quero estar mais perto do brilho, 
Ou ficar pelo trilho do breu. 
Onde dos demais sou mais eu. 

Só recuso a passividade de uma certa incapacidade, 
De mudar o sítio em que estamos. 
Na urgência de passar esta inutilidade, 
Que é não chegar ao lugar para onde vamos. 

Recuso-me a viver fechado numa linearidade com controlo, 
Com tanto de viciante como de entediante.
Como se a vida fosse revivida no consolo 
De reviver uma recordação inexistente de origem pouco desviante. 

No final, a vida terá sido o rasgo e a espora. 
A recordação de viver sem a Demora. 



sábado, 22 de março de 2014

Ser Eu



Não é nada que não se possa resolver. 
Não me ligues somente, deixa-me estar. 
Deixa-me sobreviver. 

Quem sou eu, para ser o que quero?
Quem sou eu, para ter o que quero?

Sou herói da minha própria consciência, 
Reitor da minha digna irrealidade.
Sou perdedor de uma aparência, 
Movida a sagacidade. 

Fico só aqui neste canto.
Deixa-me só, deixa-me estar. 
Deixo a noite cobrir-me com o seu manto. 
Deixo-me só, deixo-me estar. 

Aquilo que tive é somente pouco. 
Aquilo que preciso parece-me nada. 
Quero aquilo que quero, assim, meio louco. 
Desejo aquilo que desejo, tudo ou nada. 

Quero-te a ti e a mim. 
Desejo-te a ti, sim.
Quero ser o que desejo ser: 
Meu próprio dínamo a mexer. 

Mas por agora deixa-me estar. 
Não me sigas, não me persigas, não assim. 
Sem intrigas, sem brigas, tu em mim. 

Soluço sobre o futuro, 
No medo de daqui, não o ver chegar. 
Peço-lhe que se empoleire no muro, 
E que o olho nos pisque a avisar.

Seremos dele. 
Espero ser EU, 
Entregue a ele.
Indiferente a ser teu. 

quinta-feira, 13 de março de 2014

A Triste História de um Barco Mal Pintado


Henrique estava a aprender a fazer um "quantos-queres" quando a Leonor chegou ao pé dele. Os dois meninos ali estavam, entretidos a fazer dobragens. Leonor parou de pintar o seu barco de papel e ficou a olhar para Henrique.
Ela achava graça à maneira como as suas bochechas faziam covas quando ele fazia força sobre o papel para dobrar.
Naquelas maneiras de crianças desajeitadas, próprias da idade, os dois estavam agora a trabalhar juntos. Leonor sorriu-lhe e pegou numa folha de papel, ajudando-o a fazer o seu primeiro barco.
Dobra daqui, estica dali, dobra do outro lado e feito! O barco do Henrique estava pronto a navegar. Ela queria pintá-lo, o Henrique achava que ficava melhor assim. A branco. E com as sombras do papel dobrado.
Leonor pegou no barco e entregou-o a Henrique. Estava de tal maneira chateada que saiu da mesa em poucos segundos e o Henrique ficou ali. De barco na mão.
O que o Henrique fez nos minutos seguintes? Pintou-me. Não percebeu a saída da Leonor e começou a pintar-me o casco de roxo. Já alguém viu um barco com um casco roxo? Sou eu. E também sou de papel. E pintou-me as velas de verde. O Henrique não tem o mínimo sentido de moda. Lá terminou de me pintar e olhou à volta procurando a Leonor. Tanto desacordo e afinal ele pintou-me como ela queria. Embora eu ache que a Leonor nunca fosse deixar que ele me pintasse com aquelas cores. Mas enfim.
Quando percebeu que ela não estava lá, pegou noutra folha e desenhou um rio muito curto. Na distância de dois afias de margem a margem. Mas em comprimento ocupava a folha toda. Ajoelhado à mesa, como estava há largas horas, pousou a folha no chão e deixou cair uma lágrima fungada.
Deixou-me cair na água do rio, bem perto da lágrima e foi embora.
E aqui fiquei: roxo, verde, ao lado de uma lágrima que não seca. A navegar em águas paradas, amenas sem qualquer movimento, sem qualquer abanão. É melhor habituar-me, pois esta água nunca me afundará.

Onde o Meu Coração é Lento

E se o tempo fosse capaz
De um volte-face instantâneo.
Em que se levasse o que o mar traz, 
Em que se isolasse o momentâneo. 

Sei da tua morte, 
Crescendo no terreno da tua vida. 
Este presente de fino recorte, 
Trazendo aquela recordação suicida. 

Deixei-te lá para trás, 
Mas o tempo não sabe o que faz. 

Só me tolhe, vulgariza, racionaliza. 
No cárcere envidraçado que martiriza. 

Sorrias, passavas, voavas, seguias. 
E só no respirar me prendias. 

Indistinguível do que mereço, 
Não o quero, nem o peço... 
És uma discordância com consenso, 
Um café fraco, intenso. 

No fundo do amanhecer, 
Que te encontre algo novo. 
Faço-o por merecer, 
Mesmo seguido por este corvo. 

Numa estrada de vácuo vazio, 
Levo chapadas de vento, 
De um ardor frio.
Aqui onde me sento, 
Onde já só choro enquanto rio, 
Onde o meu coração é lento
E o olhar joga ao desafio: 
Peso o amor num momento, 
Segue-me o passado por um fio. 

E no nó ficou,
Infinitamente sem fim, 
Um amor que não sepultou 
Nenhuma das vidas em mim.

domingo, 9 de março de 2014

Resiliência


A mente encheu-se de sonhos
E cambaleou pela realidade. 
Desfiando de passados medonhos, 
Desafiando a gravidade. 

E a Vida saltou da pele, 
E a energia encheu-se de vento.
Procurei a resistência como intento, 
Fugindo com resiliência do fel. 

Este mundo não é mais o nosso. 
Este mundo é mais o meu. 
Quero aquilo que não posso. 
Ter o que sou eu. 

Uma réstia de esperança que me cerca o olhar, 
De não me deter no que pretendo alcançar. 

Morro e resisto. 
Depois da queda não desisto. 
Entre a ternura e o engenho, 
Numa vida que reside neste misto: 
Olhar onde me tenho, 
Saber que existo. 
E lutar pelo meu empenho, 
Na armadura de que me revisto. 

É que não tarda é Primavera, 
E a base em que carburo, 
Sei-a agora uma mera
Janela que procuro. 

Longe onde cheguei. 
Perto onde estou.  
Ali dou a curva e saberei
Ser para onde vou.  

sábado, 8 de março de 2014

Sentimento Enciptado

E ali se beijavam.
Carlos e Ana eram ali um só. E quem os visse naquele momento, nunca imaginaria de onde eles vieram.
Carlos partiu para aquele café com aquele gostinho intrínseco de que não seria só café. Já Ana saiu para aquele café com o mesmo gostinho do Carlos, mas dentro de uma caixa. Dentro de outra caixa. Dentro de uma caixa maior. Que ficou dentro de um saco de plástico. Dentro de uma caixa de chumbo. Dentro... Bom, já se percebeu a ideia.
Quando Ana saiu do carro, atrasada como sempre, já Carlos estava do outro lado da rua à porta do café. A olhar para ela e a abanar a cabeça. Porque o Carlos, não sei se sabes, mas sofre um pouco de Asperger. Os médicos dizem que não, mas a atitude dele face às pessoas diz precisamente o contrário. Abanava a cabeça num claro "lá estás tu outra vez a chegar atrasada" e ria-se para ela. Ela meio que levantou as mãos - porque a Ana é como a maioria das raparigas, gosta tanto de chamar a atenção, como o miúdo que sofre de bullying na turma da primária - a tentar pedir desculpa sorrindo.
E Carlos enquanto olhava para ela pensava, o que é que eu vou fazer quando ela aqui chegar? "Vou abraçá-la. Apetece-me tanto... Ela é tão... Eu gosto tanto dela."
A Ana chegou até ao Carlos, cumprimentaram-se com um beijo na cara e entraram.
A conversa deslizou pelos sítios do costume. Com o Carlos a tentar não dizer nada para além do que é visível e a Ana a tentar mostrar que ele é sempre assim.
Já se conhecem há tempo de mais. Mas na verdade não se conhecem tão bem. Mesmo desde os 5 anos de idade.
Nada de novo, afinal o café foi só o café.
E saíram. E
resolveram dar uma volta. Então o Carlos, lá no meio do largo deserto, onde só se ouviam as folhas a mexerem com a brisa, decide falar. E a explicar o quanto há por debaixo da sua pele, abraça Ana.
Ana nem foge. E abraça-o também.
Ele descansa-a dizendo que gosta muito dela como amiga, mas que tem um carinho muito especial por ela.
A Ana sempre soube, mas finalmente, para ela, o Carlos acaba por dizer alguma coisa para além das meias-palavras com que se esconde.
E naquele abraço, os dois afastam-se um pouco, olhando-se nos olhos, pestanejam à velocidade terna de um sentimento encriptado. Ela acena tão subtilmente que só quem estivesse dentro daquela constelação se aperceberia. E esboçam um sorriso. São amigos. E os olhos entornam-se nos lábios. Ele nos dela. Ela nos dele. E beijam-se. Não sabem o que foram, sabendo o que agora são.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Indomáveis até ao Anoitecer - Um pouco de Ópio



Ontem de noite pensei em ti. 
De forma anormal para os tempos que correm. 
Não aconteceu nada, nem te vi... 
Somos vidas que não morrem. 

Chorei de forma pouco natural, 
Para quem já não sabe chorar.
O conforto do mal, 
São palavras húmidas a sarar. 

Tenho tanto para dizer, como para chorar. 
Repetir-me-ei a escrever, não saberei explicar.

Acordei de mente nova, 
Já não estavas lá. 
Tinha o Sol como prova, 
Já não te aceito cá. 

Mas a mentira tem perna curta
E em qualquer momento voltarás. 
Em mente que surta, 
Cá dentro não descansarás. 

Foste-te com o vento
E voltarás com ele num momento, 
De me lembrar do que eras, 
Do que poderás ser. 
As raízes meras
De um futuro que pode acontecer.
Ou as diferenças como feras
Indomáveis até ao anoitecer.  

Morrerei com essa incerteza, 
Ou a origem acabará por morrer?
O teu nome rima de certeza, 
Mas num ou noutro momento, lá continuarei a viver.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Vamos Beber um Copo

"Homi qui tem amizadí não précisa de copo. Amizadi não é copo, nem marisco. Amizade é amizade. Por isso conta cómigo. Vamos beber um copo."


Ouvi isto há uns dois dias atrás. Passei por dois homens dos seus 60 anos. Com um sotaque especial. Que quis mostrar por escrito, porque mostra o quanto a sabedoria popular tem a oferecer.
No meio de "A amizade não ser copos, nem marisco" e de "A amizade ser amizade" há um "Conta comigo, vamos beber um copo".
Pode parecer risível. Pode parecer quase uma piada de ocasião. Mas não. Asseguro que foi dito com perfeita consciência do que se queria dizer.
E o destino, as coincidências - o que lhe queiram chamar - tem destas coisas. Apanhei esta fala na mesma altura em que me debatia com a questão de não saber reagir fisicamente, pessoalmente ou em viva voz a algo que tem muito disso.
Para muita gente não é coisa de homem. E se olharmos mais atentamente: Não é coisa de "Homem".
Um certo tipo de pessoas é exactamente o contrário disso. Não tem problemas em demonstrar a amizade que tem, quando o amigo precisa.
Não se trata de amar alguém. Trata-se de numa amizade ser-se capaz de mostrar apoio directamente. Sem subterfúgios.
Outras pessoas não. Outras pessoas são óptimas a mostrar o seu apoio, a sua amizade incondicional em momentos difíceis, através de gestos. E quem conhece estas pessoas, quem as vive de perto sabe o quanto um "copo", o "marisco" pode representar. Porque na verdade, o "copo" não é o "copo". É todo um sentimento demonstrado num símbolo. Para quem seja entendedor literário, é o sub-texto.
Esse tipo de pessoas mudará ou não. Assim a vida o permita. O outro tipo de pessoas, percebendo esse gesto, entenderão a impotência sentida pelo autor do gesto. Porque para quem o faz, parece sempre pouco. A não ser que o olhar de quem recebe o copo, mostre que compreendeu o sub-texto.

E estes dois tipos de seres continuarão a viver em conjunto. Tentando que Amizade seja Amizade, mesmo que a mesma não seja um copo, mesmo que a mesma, ainda assim, o seja.  

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Um cacau para a Susana


Susana nunca foi saudosista, mas uma noite sozinha com a lareira a funcionar e a beber um cacau quente deixou-a à mercê da melancolia.
Cada golo daquela caneca deixava-lhe um gosto a passado.
Cada labareda daquela lareira recordava-a daquele momento. 

A escolha de uma vida independente porque se tem de viver tudo de uma vez, trás consigo a noção de uma realidade distorcida: aos olhos do mundo seremos sempre malucos e malucas, vencedores e vencedoras, modernos e modernas, gente que desafia as leis da física e de uma sociedade que ainda teima em funcionar com uniões. 
Susana é uma dessas pessoas. Independente e moderna de dia - Solitária e melancólica durante a sua noite. Susana nunca sentiu a falta de ninguém. Tem a sua casa. Tem a sua vida. Com 33 anos orgulha-se de ter conseguido grande parte das coisas que outros não conseguiram. Venceu à sua custa. Trabalhou para isso. E mais que tudo, não se deixou enredar por ninguém. 

Bem... mais ou menos. É que esta coisa de ser o lobo (a loba) solitária é óptimo para consumo externo, mas imprópria para introspecção. 
O Homem é nascido do seu individualismo clássico e inato até se aperceber que não sobreviveria sem o cordão umbilical. 
Temos pena, caros solitários e solitárias: É mesmo assim. 

E Susana descobriu isso mesmo naquela caneca de cacau quente. Desde a adolescência que se cingiu a viver as coisas até ao fim. Pensava ela que estava certa, até descobrir naquela lareira que o seu "fim" não era o "fim". Passaram vários namorados desde essa altura e sempre se habituou a não ficar agarrada a nenhum. Afinal, não podia deixar-se prender. Tinha o mundo todo para ver e viver. E os sentimentos retardam, constrangem. As emoções vêm e vão. Essas sim! 
Traiu, viajou, cantou, foi Marte e Júpiter, Neptuno e Plutão... Mas nunca viu Saturno. Nunca viu o tempo. 
E naquele gosto de cacau quente que lhe aquece a garganta, relembra no gosto o João. 
Que parva ela fora em fugir do João. Tinha muita coisa para viver. Tinha muita coisa para ser. 
E a lenha ardendo lentamente leva-a até ele. O toque da sua pele e do seu riso. A crítica do seu olhar e o mundo na sua mão. O mundo fora dela e ela nem se deu conta. Tinha muita coisa para viver. Tinha muita coisa para ser. 

Não lhe dá para chorar. Não agora aos 33 anos. Não agora 10 anos depois. Não agora por uma causa perdida. Isto de ser uma solitária para viver tudo o que precisa viver, acabou por fazê-la viver aos olhos do mundo, sem nunca ter vivido ela própria. 

Era o João. Eram eles os dois que ela não viu. Porque não se vive apenas o que se vê. 
Bebe o resto do cacau e a lareira vai morrendo. Pega no telefone e inspira a gravidade de que a vida é tanto mais vivida quanto menos os olhos perseguirem. 
A pesquisa pára no nome "João". A lareira apaga. Será que atende? 

domingo, 23 de fevereiro de 2014

O Daniel Apanhou uma Merda Inevitável


Existem merdas que se evitam e existem merdas inevitáveis. 
O Daniel lá vai evitando e jura a pés-juntos que a mantém à distância única e exclusivamente por uma manifesta cordialidade: não dela, só dele. Diz que assim, até a nível virtual, se separam as águas já que o ressentimento é mútuo. E ele é o Senador que protege de forma adulta um desaguisado. Coitado. 
Na realidade ela remexe-lhe as entranhas. Calma! Num jeito figurado.
Existem merdas inevitáveis e volta e meia, o Daniel acaba por se ver a braços com uma delas. Volta e meia há um cabrão de um Opel Corsa vermelho que aparece à frente do carro dele. Sempre no mesmo sítio. Sempre o mesmo cabrão. Por mais de uma vez, o Corsa pára na mesma parte da rua e o Daniel começa a sentir uma palpitação estranha ao fundo da nuca. Apanha-lhe a espinha, junta-lhe a garganta e ataca-lhe os nervos. É uma espécie de rebentamento de neurónios que atafulham os sistemas do corpo humano. O rapaz começa com suores frios, agarra bem o volante com vontade de sair e de ficar no carro. De ir embora e de ir bater no vidro do Corsa. 
Ele nunca vira o Corsa vermelho. Somente sete vezes, já bem depois de ela lhe bater com a porta na cara e lhe levar o DVD do Sweeney Todd. Ah e a merda da torradeira. E que bela torradeira. Cabra. Não da torradeira, mas dela. 
E como o Corsa pára sempre naquele mesmo sítio, em todas as sete vezes, o Daniel dá a volta ao quarteirão na ânsia de olhar sem ver nada. Para comprovar que é o mesmo cabrão do Corsa. 
E ele jura, porque jura que é o Corsa em que ela vem. E o outro é dono do Corsa. O Daniel nunca viu nada, nem ninguém. Como se o Corsa fosse conduzido qual "Carro Assassino" sem ninguém ao volante. E diga-se, nunca viu porque faz questão de não ver. Prefere entrar em parafuso, do que soltar três ou quatro - imagina quem vê de fora. 
Eu, que o vejo de fora, digo-lhe para se afastar naquele jeito de Senador de vão de escada. Que protege de forma adulta um desaguisado. 
Ele? Ele fica lixado porque me admite que afinal não é a torradeira que lhe interessa ou o magoa. Nem sequer o DVD. Apenas gostava de ser dono daquele Corsa...   

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Jogo de Vultos


Inúmeros acontecimentos 
Que tendem a acontecer, 
Se esvaem em momentos, 
Num acontecimento que nunca chegou a ser.

Troca de olhares, risos espontâneos. 
O fim dos azares, cantos momentâneos. 
A paixão, o grito, o salto, 
A imensidão, o mito, o Presente lá no alto...

São fagulhas de inebriação, 
São semi-colcheias da Canção. 

Que me fito em cansaço, 
De saber que é tudo tão escasso,
De saber que nada acontecerá, 
Que me fito no que não será. 

Que me quedo em não dar seguimento: 
Chega de esperança real!
A que me puxa ao desejo carnal, 
Ao sentimento, a uma via profissional.

De entre este jogo de vultos 
Onde não jogo mais,  
Recebo felicidade aos tumultos, 
Sem esperar conquistas reais. 

Em algum momento este escrito
Será um mito, 
O horizonte será esperança
De uma vida real, da que não cansa.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

No Meio da Rua

E parou no meio da rua.
Sentou-se na pedra molhada da chuva miudinha. O vento batia-lhe na cara sem o incomodar. A cidade está deserta e a sua pessoa confunde-se com cada objecto presente naquele espaço.

A brisa gelada de inverno esculpe pequenos traços de gelo nas bochechas. Não se vê, mas ele sente.
O tempo parou e cada folha que cai esgota-lhe, a níveis cada vez mais profundos, a permanência numa realidade física.
Não se coíbe de entrar num drama metafísico. Nada lhe importa.
Ali: é ele e o tempo da sua escolha. Pousa uma mão no passado, com um pé dentro dessa felicidade. Pisa com o outro a ansiedade que faz do Homem um ser tão infeliz.
Sobra a mão com que solta no ar um futuro, que segue elevando a cabeça, seguindo com o olhar:
A esperança serena que deve caber a cada comum mortal, que como ele canta que o amanhã será Sol.

Recuando àquela rua, devolve-se ao concreto, sorrindo em tom sarcástico: Que partida o destino lhe pregou, não deixando que nada, nem ninguém o interrompesse.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O Ricardo é Parvo


Numa aparente calma, o Ricardo avança na direcção de cada vítima.
Espera ao longe, qual leão esfomeado, preparando o ataque final. Espera por entre o mundo da rua, antes de se atirar à carcaça. Escolhe o alvo. O mais fraco. 
É uma senhora de meia idade que agita o saco da Bershka enquanto avança destemidamente em direcção ao final da Rua Augusta. O olhar dela preso no infinito do relógio lá no alto e o Ricardo interpõe-se:

- Bom dia, pode-me dispensar um minuto do seu tempo?

Nada. Nem uma hesitação no passo. Nem um olhar. Nem um suspiro de consternação. Ao contrário de Ricardo que se vê novamente desprezado. 
Afinal, de que serve ser-se empreendedor por conta de outro, se nem para as solas dos sapatos ele ganha? 
Como se não chegasse esse facto, ainda se torna impossível conviver com tamanha humilhação. A de quem passa, nem o ver. Nem o ouvir. Nem hesitar.
Se bem, que esse facto não tenha de ser realmente mau. Olhando de longe, Ricardo até se sente mais leve. É que as bugigangas que ele vende, têm tanta utilidade como metade do mundo que nos rodeia. "É para ajudar os mais desfavorecidos!" diz um colega. E o Ricardo? O Ricardo pensa: 

- Mas que estou eu aqui a fazer, se eu sou um desfavorecido?

A metáfora real, é então o que o Ricardo leva para casa. Mais um dia de humilhação, mais um dia a chatear o próximo, mais um dia em que ganhou a sua percentagem para comprar meia dúzia de feijões. Isto tudo a tentar ajudar os mais desfavorecidos. Vejam lá o quão irónico pode o mundo ser. 

No dia seguinte, lá estará de novo. Bem como as senhoras de saco da Bershka concentradas no finito da rua. Porque nada funciona tão bem, como manter-mo-nos parvos, sabendo quão parvos somos. 

E Só Haverá Sol

Eram hoje umas poucas horas da tarde quando chegaste. Eu estava como sempre sentado no meu banco. No meu canto. Como sempre, sentaste-te a uns poucos centímetros de mim. Como se nada fosse.
Olhei-te, como sempre, novamente, cabisbaixo. A minha condição não me dá para mais.

Hoje a tua beleza está mais leve e bela que nos outros dias. Talvez porque tenha parado de chover e hoje seja mais dia que outro dia qualquer. É que a chuva é boa de quando em vez. Mas é uma lástima para quem como eu passa os dias na rua. As tardes neste canto do banco, e as noites nele inteiro.

Queria-te dizer que anseio a tua dose de energia. Na forma como me ofereces essa parte da tua sandes. Queria explicar-te que te invejo a jovialidade, que na idade que envergo já se me não serve.
Digo-te que estas rugas são um fardo. Maior do que a sujidade e as pulgas que trago. Até porque, como te digo, tem chovido.
Queria explicar-te que me encontro comigo mesmo em cada noite e que me sinto na consciência de estar num estado sem alteração de estado possível.
Queria explicar-te que já tive as minhas loucuras, as minhas alegrias, quase fui pai, quase estive casado, que vi morrer a minha companheira, que me vi sozinho e despejado numa rua que nunca tinha visto como mais que um pedaço de chão por onde tinha de passar diariamente.
Queria-te dizer que me encontrei sozinho neste pedaço de vida que me encaminha para um fim silencioso. Distante de uma realidade que não sabe de mim, embora tropece na minha existência em cada manhã neste banco.
E enquanto mastigo e tu mastigas... esboço a minha lembrança de sorriso na troca com o teu, assumindo a posição de estadista do meu destino. Ah, como se tivesse escolha... Devo-te este acordar de vida, numa
encruzilhada de um único rumo. Devo-te este Domingo de sol, numa invernosa tarde de chuva.
És bela. És jovem. És cuidadosa e cândida. És tudo o que nunca fui. Poder-te-ia explicar tudo isto numa nossa conversa, só que tu já sabes.

A cada dia que te sentas nesta minha casa, neste meu banco, deste jardim, encontras-me aqui com este cansado semblante. Conversámos tanto sem trocar uma palavra, que te devo uma jura de silêncio num resquício de agradecimento.

E como sempre acabas primeiro que eu e segues teu caminho e eu não sei para onde vais. Não sei nada sobre ti, mas conheço-te tão bem.
Foste e começou a chover. Mas tu sabes que uma tarde voltarás e não me verás mais... E só haverá sol.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Tempo

















Tempo que nos separa da realidade.
Quem nos faz sentir o que vemos.
Quem nos cria superfícies de verdade.
De fundo em mentiras que cremos.

E nos triste sabor da melancolia,
Habito, livre, sabendo para onde iria,
Se o seu arrasto não se tornasse infinito.
Se o seu lastro não fosse um futuro que hesito
Acreditar, por ser tão longe.
Sem nitidez.
A errar, por ser tão perto.
Sabendo que fui eu quem o fez.

A luz de Afrodite,
Caiu tão atrás,
Que o coração admite,
Que a inexistência o satisfaz.

Tão passado que deixa de ser perceptível.
Achando-nos figurantes de matéria carnal.
De uma existência risível,
Por já não acreditarmos em tal.

Matéria de amor em que nos tornamos ateístas,
Figuras de passagem de um tempo tão longo,
Que nos deixou sem pistas.

Ele assim é.
Laça-nos lá e retorna-nos não se sabe bem onde.

Ele assim será.
Tentando acreditar que é mais que produto mental.

E nesta estação, espero por um comboio que tarda em chegar.
Olhando uma linha que não se mostra ao olhar.
Espero andando no cais infinito sem emoção.
Agarrado ao banco, agarrado ao coração.

Não sei se tardará.
Não sei sequer se virá.
 

domingo, 26 de janeiro de 2014

Faço-te Jus

Sentimos vivências em que o ritmo da vida se aperta e outros em que se estende.
Tem-se estendido.
Leio a vida como uma história em que cada personagem que aparece, fá-lo por uma razão. Sendo útil ao principal que somos nós.
Leio a vida como uma história em que o desaparecimento de uma personagem personifica a entrega de algo que foi concedido à principal.

A vida tem largado à minha frente diversas personagens que me fazem errar, aprender, rir ou amadurecer. Às vezes, tudo ao mesmo tempo.
E com Graça, largou à minha frente quem com pequenos, simples e poucos gestos tenha marcado o meu crescimento. Alguém que me ensinou a partilha. A honradez. A honestidade. Não sendo importante se se tem uma vivenda de quatro assoalhadas ou uma porqueira num barracão improvisada.
Quem me deixou profundamente marcado pela sua generosidade como se na borda de uma única moeda ou no toque de um único beijo de despedida, se transmitisse um dos maiores significados da vida.

E findo este momento de catarse, em que te faço jus no que mais gosto de fazer, tenho de agradecer: o facto de que com poucos momentos de presença, me tenhas tornado mais Homem.

Obrigado.