quinta-feira, 13 de março de 2014

A Triste História de um Barco Mal Pintado


Henrique estava a aprender a fazer um "quantos-queres" quando a Leonor chegou ao pé dele. Os dois meninos ali estavam, entretidos a fazer dobragens. Leonor parou de pintar o seu barco de papel e ficou a olhar para Henrique.
Ela achava graça à maneira como as suas bochechas faziam covas quando ele fazia força sobre o papel para dobrar.
Naquelas maneiras de crianças desajeitadas, próprias da idade, os dois estavam agora a trabalhar juntos. Leonor sorriu-lhe e pegou numa folha de papel, ajudando-o a fazer o seu primeiro barco.
Dobra daqui, estica dali, dobra do outro lado e feito! O barco do Henrique estava pronto a navegar. Ela queria pintá-lo, o Henrique achava que ficava melhor assim. A branco. E com as sombras do papel dobrado.
Leonor pegou no barco e entregou-o a Henrique. Estava de tal maneira chateada que saiu da mesa em poucos segundos e o Henrique ficou ali. De barco na mão.
O que o Henrique fez nos minutos seguintes? Pintou-me. Não percebeu a saída da Leonor e começou a pintar-me o casco de roxo. Já alguém viu um barco com um casco roxo? Sou eu. E também sou de papel. E pintou-me as velas de verde. O Henrique não tem o mínimo sentido de moda. Lá terminou de me pintar e olhou à volta procurando a Leonor. Tanto desacordo e afinal ele pintou-me como ela queria. Embora eu ache que a Leonor nunca fosse deixar que ele me pintasse com aquelas cores. Mas enfim.
Quando percebeu que ela não estava lá, pegou noutra folha e desenhou um rio muito curto. Na distância de dois afias de margem a margem. Mas em comprimento ocupava a folha toda. Ajoelhado à mesa, como estava há largas horas, pousou a folha no chão e deixou cair uma lágrima fungada.
Deixou-me cair na água do rio, bem perto da lágrima e foi embora.
E aqui fiquei: roxo, verde, ao lado de uma lágrima que não seca. A navegar em águas paradas, amenas sem qualquer movimento, sem qualquer abanão. É melhor habituar-me, pois esta água nunca me afundará.

Sem comentários:

Enviar um comentário