quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O Ricardo é Parvo


Numa aparente calma, o Ricardo avança na direcção de cada vítima.
Espera ao longe, qual leão esfomeado, preparando o ataque final. Espera por entre o mundo da rua, antes de se atirar à carcaça. Escolhe o alvo. O mais fraco. 
É uma senhora de meia idade que agita o saco da Bershka enquanto avança destemidamente em direcção ao final da Rua Augusta. O olhar dela preso no infinito do relógio lá no alto e o Ricardo interpõe-se:

- Bom dia, pode-me dispensar um minuto do seu tempo?

Nada. Nem uma hesitação no passo. Nem um olhar. Nem um suspiro de consternação. Ao contrário de Ricardo que se vê novamente desprezado. 
Afinal, de que serve ser-se empreendedor por conta de outro, se nem para as solas dos sapatos ele ganha? 
Como se não chegasse esse facto, ainda se torna impossível conviver com tamanha humilhação. A de quem passa, nem o ver. Nem o ouvir. Nem hesitar.
Se bem, que esse facto não tenha de ser realmente mau. Olhando de longe, Ricardo até se sente mais leve. É que as bugigangas que ele vende, têm tanta utilidade como metade do mundo que nos rodeia. "É para ajudar os mais desfavorecidos!" diz um colega. E o Ricardo? O Ricardo pensa: 

- Mas que estou eu aqui a fazer, se eu sou um desfavorecido?

A metáfora real, é então o que o Ricardo leva para casa. Mais um dia de humilhação, mais um dia a chatear o próximo, mais um dia em que ganhou a sua percentagem para comprar meia dúzia de feijões. Isto tudo a tentar ajudar os mais desfavorecidos. Vejam lá o quão irónico pode o mundo ser. 

No dia seguinte, lá estará de novo. Bem como as senhoras de saco da Bershka concentradas no finito da rua. Porque nada funciona tão bem, como manter-mo-nos parvos, sabendo quão parvos somos. 

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