quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

E Só Haverá Sol

Eram hoje umas poucas horas da tarde quando chegaste. Eu estava como sempre sentado no meu banco. No meu canto. Como sempre, sentaste-te a uns poucos centímetros de mim. Como se nada fosse.
Olhei-te, como sempre, novamente, cabisbaixo. A minha condição não me dá para mais.

Hoje a tua beleza está mais leve e bela que nos outros dias. Talvez porque tenha parado de chover e hoje seja mais dia que outro dia qualquer. É que a chuva é boa de quando em vez. Mas é uma lástima para quem como eu passa os dias na rua. As tardes neste canto do banco, e as noites nele inteiro.

Queria-te dizer que anseio a tua dose de energia. Na forma como me ofereces essa parte da tua sandes. Queria explicar-te que te invejo a jovialidade, que na idade que envergo já se me não serve.
Digo-te que estas rugas são um fardo. Maior do que a sujidade e as pulgas que trago. Até porque, como te digo, tem chovido.
Queria explicar-te que me encontro comigo mesmo em cada noite e que me sinto na consciência de estar num estado sem alteração de estado possível.
Queria explicar-te que já tive as minhas loucuras, as minhas alegrias, quase fui pai, quase estive casado, que vi morrer a minha companheira, que me vi sozinho e despejado numa rua que nunca tinha visto como mais que um pedaço de chão por onde tinha de passar diariamente.
Queria-te dizer que me encontrei sozinho neste pedaço de vida que me encaminha para um fim silencioso. Distante de uma realidade que não sabe de mim, embora tropece na minha existência em cada manhã neste banco.
E enquanto mastigo e tu mastigas... esboço a minha lembrança de sorriso na troca com o teu, assumindo a posição de estadista do meu destino. Ah, como se tivesse escolha... Devo-te este acordar de vida, numa
encruzilhada de um único rumo. Devo-te este Domingo de sol, numa invernosa tarde de chuva.
És bela. És jovem. És cuidadosa e cândida. És tudo o que nunca fui. Poder-te-ia explicar tudo isto numa nossa conversa, só que tu já sabes.

A cada dia que te sentas nesta minha casa, neste meu banco, deste jardim, encontras-me aqui com este cansado semblante. Conversámos tanto sem trocar uma palavra, que te devo uma jura de silêncio num resquício de agradecimento.

E como sempre acabas primeiro que eu e segues teu caminho e eu não sei para onde vais. Não sei nada sobre ti, mas conheço-te tão bem.
Foste e começou a chover. Mas tu sabes que uma tarde voltarás e não me verás mais... E só haverá sol.

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